sexta-feira, 3 de julho de 2009

Onde está Deus?

Dois momentos importantes marcaram a minha vida enquanto estudava música no Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, que me fizeram enxergar algo que ainda não via com relação aos dogmas que aprendi. Cresci à margem da cultura global, nunca pude compartilhar de nada que não fosse de autor dito cristão, com isso, me fecharam em mundo irreal (como no filme A Vila).
Virada do ano de 2003 e inicio de 2004, estava passando para o segundo ano do curso de Bacharel em Música Sacra, tive que tomar uma decisão. Aprisionar-me novamente em um novo e falso dogma e continuar recebendo a graça de estudar gratuitamente ou, romper com o dogma e arcar com as despesas de todo o restante de curso.
2004 estava eu sentado com dois diáconos e meus pais, minha mãe chorando dizendo desesperadamente aceitar a imposição que o pastor fizera a mim, meu pai neutro, mas, sabia que também era a sua vontade que eu continuasse a receber a ajuda do pastor (quem me mandou para o STBSB foi ele e não a Igreja). Enquanto conversávamos ouvi coisas dele, como:
- Você nunca vai conseguir trabalhar com música dentro da igreja, você nunca será nada.
- Para que eu continue pagando o seu carnê, você tem que fazer o que eu quero e não a sua vontade.
- Ministério de música é tocar piano e reger.

O que propus para ele era trabalhar com o que entendia ser a vontade de Deus para a minha vida e aquilo que eu tinha de melhor para oferecer naquele momento, já que eu era ainda primeiro ano de um curso e que meu instrumento sempre foi violão, meu piano era medíocre. Mas ele me impôs a sua vontade e assim se deu. Em 2004 estava sem igreja para me ajudar financeiramente e sem um pastor.
Diante de uma angústia refletida em minha face, estava na livraria saraiva na Tijuca e de repente tocou uma música que iria para sempre modificar a minha vida. Dizia assim:

Mas é claro que o sol
Vai voltar amanhã
Mais uma vez, eu sei
Escuridão já vi pior
De endoidecer gente sã
Espera que o sol já vem
Tem gente que está do mesmo lado que você
Mas deveria estar do lado de lá
Tem gente que machuca os outros
Tem gente que não sabe amar
Tem gente enganando a gente
Veja nossa vida como está
Mas eu sei que um dia a gente aprende

Se você quiser alguém em quem confiar
Confie em si mesmo
Quem acredita sempre alcança

Mas é claro que o sol vai voltar amanhã
Mais uma vez eu sei
Escuridão já vi pior
De endoidecer gente sã
Espera que o sol já vem
Nunca deixe que lhe digam
Que não vale a pena
Acreditar no sonho que se tem
Ou que seus planos nunca vão dar certo
Ou que você nunca vai ser alguém
Tem gente que machuca os outros
Tem gente que não sabe amar
Mas eu sei que um dia a gente aprende

Se você quiser alguém em quem confiar
Confie em si mesmo
Quem acredita sempre alcança


Esta letra nunca me trouxe nenhuma novidade, já que tudo o que há de positivo nela eu encontro na mensagem de Cristo, mas, a novidade que percebi foi que era um não cristão que estava fazendo com que eu se lembrasse da mensagem bíblica, quem estava me confortando era Deus através do Renato Russo. Então foi que percebi que Deus além de usar uma mula, também usa a cultura secular para poder alertar e doutrinar a humanidade. Não foi este mesmo cantor “profano” que fez milhares cantarem esta mensagem?

- É preciso amar as pessoas como se não houvesse o amanhã

Não são estas as palavras de Cristo? Amar ao próximo como a si mesmo.

A partir deste dia, esta canção se tornou a minha canção. Já passei horas cantando repetidamente chorando nos momentos de crise e digo, Deus estava comigo em todo esse tempo.
O que aprendi e entendi?
Que infelizmente títulos não dizem nada, pois, este pastor, mesmo sendo considerado cristão, com tais palavras que proferiu estava sendo usado momentaneamente por satanás, já, Renato Russo um dito profano e excluído pela Igreja, momentaneamente foi usado por Cristo para escrever tal mensagem musical.
E assim é que desde o início da minha ida para o seminário ouvi satanás falando através de outros pastores ditos cristãos e ditos cristãos. Eles diziam em meio a gargalhadas para que eu tomasse cuidado com o Seminário, pois, havia lendas de muitos alunos homossexuais nesta instituição.
Anos se passaram e ainda ouço o rugir de satanás nas bocas de falsos cristãos a difamar esta instituição. A diferença é que estes não me enganam mais porque sei que o verdadeiro cristão ama, e quem ama é benevolente. Se não são cristãos, são o que? Pessoas que usufruem de um título para manter uma imagem de cristão.
No momento em que mais precisava de Cristo encontrei-o em mim, na vida dos que me ajudaram, na canção de Renato Russo e no Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil. Seminário este que é feito de tijolos, pedras objetos incapazes de reter a maldade, só que infelizmente há homens estudando que carregam dentro si aquilo que não devia estar carregando. São eles que fazem uma instituição ser o que não é, pois, quem vai para o STBSB encontrar Deus o encontra. Se estes quando falam tais coisas não estão sob a influência de Cristo, tudo o que falarem não importa, pois, o cristão não deve dar ouvidos a satanás.
Enquanto tiver mães como West Ney e Ana Rutter; guerreiros como teve o Israel Belo e tem o Barrinha; pais como Theógenes e Ronald Rutter; sorrisos como os de Maria Celeste, Noêmia Marcelino, Claudiane, Elny ...etc.... Deus estará.
Deus habita apenas onde há amor, e enquanto existir pessoas que amam o STBSB Deus se fará presente.

Por que temos ídolos?


Um fato aconteceu e a imprensa noticiou:

“Morre aos 50 anos o ídolo pop Michael Jackson”


Michael foi um ser que marcou uma época, revolucionou a música popular americana e com isso influenciou o mundo já que os EUA é a grande potencia mundial e revolucionou a dança. Sabemos da importância que teve, mas, o que leva uma pessoa colocar sua vida na dependência deste ser mortal?

A idolatria não é um problema atual, o povo de Israel ao longo da sua jornada pelo deserto construiu vários ídolos para si, mas por que isso? A igreja católica introduziu as imagens apenas por cunho didático e hoje as pessoas colocam suas vidas nelas, por que isso?

Encontrei em Schopenhauer a resposta:


“Quanto a esse tema, Schopenhauer coloca que viver é sofrer, pois a vontade é infinita e jamais saciada, ao que se acrescenta que a base de todo querer é uma falta, uma indigência. Desse modo, o homem sendo a mais perfeita objetivação da vontade, é também o mais necessitante, sendo que sua vida oscila entre a dor e o fastio. Nesse sentido, é o desejo de viver que mantém o homem ocupado, para matar o tempo, de modo que o tédio se transforma em fator de sociabilidade.

Frente a isso, Schopenhauer coloca que por necessitar da dor para viver, cada ser possui o sofrimento de que precisa para tanto, ainda que não reconheça este fato. Esse não reconhecimento faz com que o homem aponte para motivos ou para circunstâncias exteriores a si para justificar o seu sofrer.

Pelo mesmo motivo, o homem elege ídolos de toda a espécie a quem possa servir. E ilude-se, pela última vez, na medida em que atribui a suspensão da sua dor por uma alegria que lhe seja exterior.”[1]


Sim é por não terem uma alegria interior é que estas pessoas constroem seus ídolos para poderem viver, assim se ancoram neles e continuem sua medíocre vida.

Vemos hoje, com um cristianismo superficial milhares de pessoas estarem dependentes de Igreja, de pastor para serem felizes?

Por que?

Porque estes não são capazes de sentir e nem reconhecer a grandeza de Deus fora dos contatos destes. Parece que Deus está preso, trancado nos discursos que ressoam pelas paredes das igrejas-pastores e por isso os ídolos crescem, pastores(as), bispos (os), apóstolos, missionários e ministros ficam milionários e o cristianismo empobrecido. É por isso que não fazemos a diferença em nosso pais, nossas cidades cada vez mais violentas, até mesmo em lugares que possuem evangélicos como a maioria da população. O que devemos fazer?

- Libertar Deus e dizer ao mundo que Ele habita em nós.

Quando isso acontecer não precisaremos mais de ídolos pois a graça dEle nos bastará.



[1] Sandra Portella Montardo A vontade de Schopenhauer a Nietzsche: um impulso para duas transcendênciashttp://bocc.ubi.pt/pag/montardo-sandra-schopenhauer-nietzsche.pdf

A Vontade submissa a Escolha

Algo de muito curioso na filosofia de Schopenhauer é observar que ele coloca a vontade como sendo a raiz metafísica do mundo e da conduta humana, ou seja, é ela quem rege todas as nossas atitudes.

E isso porque, dado que a vontade é insconsciente em si mesma, ela prescinde da ação do homem para tornar-se consciente de seu querer e do seu objeto.[1]


Segundo o autor de O Mundo como Vontade e Representação, a experiência interna do indivíduo assegura-lhe mais do que o simples fato de ele ser “um objeto entre outros”. A experiência interna também revela ao indivíduo que ele é um ser que se move a si mesmo, um ser ativo cujo comportamento manifesto expressa diretamente sua vontade. Essa consciência interior que cada um possui de si mesmo como vontade seria primitiva e irredutível[2]


Com isso então identificamos que, segundo este filósofo, cada ato do homem é movido pela vontade e que para ele está é insaciável.

Mas diferente do homem comum que vagueia em suas próprias filosofias, saciando suas vontades internas que lhe são maiores do que a razão e a moral, o homem cristão deve estar calçado basicamente em uma frase de Cristo antes de tomar alguma atitude:


Aproximou-se dele um dos escribas que os tinha ouvido disputar, e sabendo que lhes tinha respondido bem, perguntou-lhe: Qual é o primeiro de todos os mandamentos? E Jesus respondeu-lhe: O primeiro de todos os mandamentos é: Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes.[3]


Fazendo a média destes dois versículos podemos observar que há uma palavra que é peculiar e que norteia aquilo que Jesus queria ensinar e esta palavra é amaras. A palavra Amaras como todos sabemos deriva da palavra amor e o que é o amor? Segundo Paulo é...


... é sofredor, é benigno, paciente; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá; [4]


O que eu quero com tudo isso até agora é mostrar que realmente existe algo por trás que nos impulsiona e muitas vezes nos leva para algo que não queremos fazer.[5]Para

Schopenhauer essa força se chama vontade, para nós pecado, mas tais definições não importam, pois ambas podem nos levar para o erro.

Sabendo que a Vontade nos impulsiona para algo, nós Cristão devemos colocá-la submissa à Escolha. Assim, dentro do sistema que agora crio a Escolha para nós sempre deverá ser dominadora da Vontade que nos impulsiona. Sempre antes de tomarmos qualquer atitude temos duas opções: Fazer ou não fazer. Mas como saberemos qual é a escolha certa? Passando pelo crivo do amor! Viver ao lado do amor sempre será a melhor opção.


- Se quero matar alguém?Escolho amar, pois o amor é benigno, paciente, tudo suporta.

- Se penso adulterar? Escolho amar, pois o amor não folga com a injustiça, mas folga com a verdade

- Se que discutir com alguém? Escolho amar, pois o amor é benigno e paciente

- Se quero me dar bem prejudicando alguém ou mentindo? Escolho amar, pois o amor não procura os seus interesse, mas folga com a verdade


E assim optando por condicionar nossas Escolhas ao amor ante aos impulsos da Vontade, poderemos errar menos, pecar menos e quem sabe modificar o mundo com um cristianismo verdadeiro.



[1] Sandra Portella Montardo A vontade de Schopenhauer a Nietzsche: um impulso para duas transcendênciashttp://bocc.ubi.pt/pag/montardo-sandra-schopenhauer-nietzsche.pdf

[2] http://www.culturabrasil.pro.br/schopenhauer.htm

[3] Matheus 12- 28 a 31

[4] 1 Corintios 13 – 4 a 8

[5] Porque bem sabemos que a lei é espiritual; mas eu sou carnal, vendido sob o pecado. 15 Porque o que faço não o aprovo; pois o que quero isso não faço, mas o que aborreço isso faço. 16 E, se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa. 17 De maneira que agora já não sou eu que faço isto, mas o pecado que habita em mim. 18 Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e com efeito o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem. 19 Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço. 20 Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim. 21 Acho então esta lei em mim, que, quando quero fazer o bem, o mal está comigo.

sábado, 20 de junho de 2009

PRINCÍPIOS DE HARMONIA FUNCIONAL

MARCELO MELLO . Curso de harmonia avançada. Ourinhos, I Festival de Música, 2001 (revisão 2006).

Voltar para http://www.marcelomelloweb.cjb.net.

PRINCÍPIOS DE HARMONIA FUNCIONAL

Esta re-visão apresenta vários princípios da teoria musical como princípios, no fundo, harmônicos, coerentes entre si e com relação a uma sensação específica do interior do discurso musical, e não como princípios estéticos de “boa formação” que são comumente encontrados nos livros de Música. As origens e a evolução histórica destes princípios será vista com mais detalhes nos próximos capítulos. Pela forma como foi apresentada, a teoria parece se basear na noção de escala; seria a vinculação a uma escala que permite a dedução de intervalos, acordes etc. Essa seria a teoria dos Stufen, ou graus.

A teoria de Riemann, entretanto, afirma que o princípio básico da tonalidade vem das funções (dos diferentes níveis de tensão), e dos acordes que as representam. Das notas dos acordes principais das funções -- em DO maior: C (do-mi-sol), F (fa-la-do), G (sol-si-re) é que seriam deduzidas as notas da escala. Esta forma de encarar as relações harmônicas é chamada de harmonia funcional, . No Brasil, ela foi difundida pelo professor de origem alemã Koellreuter, a partir dos anos 1960.

Assim, antes de serem vistos como construídos a partir de um conjunto de notas, os acordes seriam entidades abstratas com sua própria ontologia, sua própria realidade. É possível então analisar a estrutura harmônica de uma peça musical (as suas relações de tensão e relaxamento) apenas através dos nomes dos acordes (e sua respectiva função), dando menor importãncia às relações criadas pelas notas que os formam. A idéia que transparece então é a de uma topografia harmônica, um “campo” abstrato de tensões e relaxamentos que subjaz abaixo de toda a Música.

Os princípios de harmonia funcional podem ser rapidamente resumidos: as três funções harmônicas básicas (tônica, dominante, subdominante) regulariam todas as relações harmônicas (1a lei tonal); todos os acordes ocupam, com maior ou menor importância, um das três funções (2a lei tonal); cada acorde pode ter associado a ele outros acordes com funções individuais dele (3a lei tonal); como a função do acorde se torna mais importante do que sua construção em termos de notas, é criada a possibilidade de ambigüidades, onde as funções se confundem entre si ao nível da escala, do modo (4a lei tonal), da tonalidade -- tornando possíveis várias formas de modulação, ou mudança de tonalidade no decorrer do discurso musical (5a lei tonal).

Na harmonia funcional, o importante é a relação horizontal, seqüencial, dos acordes entre si, que serve para expor e explicar os movimentos das tensões e relaxamentos no decorrer do discurso musical. A forma de cifra originária deste tipo de análise indica apenas a função do acorde dentro do trecho musical. No entanto, não importa tanto a forma de notação; Almir Chediak, indica os graus como representações das funções. A questão da cifragem é vasta e será vista mais tarde. Para nós, aqui, o importante é ver a análise funcional como um diagrama das funções harmônicas (de tensão e relaxamento) em um trecho musical.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

HARMONIA FUNCIONAL: UMA DEFINIÇÃO

Escrito por: Turi Collura
Site: http://www.turicollura.com
Usado com permissão do autor.



O termo Harmonia Funcional tem apresentado uma utilização variada, em nossos dias.
Se faz necessária, a meu ver, uma discussão sobre esse tema. Para isso, apresentarei aqui uma panorâmica sobre as palavras: Harmonia e Função.
O objetivo é o de definir o campo, entender quais são os pressupostos à teoria, para melhor entender o termo.

A. HARMONIA

1. Algumas definições:
- " A Harmonia é o resultado da combinação simultânea de sons diferentes" (nota 1)
- " Com o termo harmonia, se indica a área da teoria musical que estuda o encadeamento dos acordes e suas função dentro da tonalidade." (nota 2)

Enquanto a primeira é uma definição geral, a segunda já introduz o termo função. Sem dúvida, essa é uma definição recente e mais “técnica”.
É importante ressaltar que o conceito de Harmonia foi algo mutáve
l no decorrer das épocas.
Em um artigo de 1969, o teórico e musicólogo alemão Carl Dahlhaus escreveu:

“Harmonia” significa combinação entre diferentes ou entre contrários. A explicação e o fundamento da harmonia foram buscados, até o século XVII, nas proporções numéricas da tradição pitagórico-platoniana. (nota 3)

Na tradição pitagórica, a ciência harmônica, fundamentada em um fenômeno físicoacústico (a divisão aritmética da corda do instrumento chamado monocordo) propicia um modelo metafísico de representação racional do universo.
Na Idade Média, o conceito de harmonia era aplicado à melodia, tratando das consonâncias e dissonâncias entre os intervalos melódicos. Somente no final do século XV, graças ao trabalho de teóricos como Tinctoris e

"Gaffurio, a harmonia pára de se relacionar às esferas do universo, para fazer parte da prática musical, definindo os critérios sintáticos que regulam os encontros simultâneos do discurso “musicalmente significante”. A partir desse período, o conceito de harmonia foi aplicad
o, então, aos aglomerados verticais." (nota 4)

No século XVI se estabelece definitivamente a harmonia composta por terças sobrepostas.
O tratado de harmonia referencial dessa época é o do italiano Gioseffo Zarlino, Institutioni Harmoniche, de 1558. À base de sua teoria, rigorosamente matemática, está a definição dos modos maior e menor, de consonância perfeita e imperfeita.
Já no século XVIII, Rousseau escreve que “Harmonia, segundo os modernos, é uma sucessão de acordes que seguem as leis da modulação”, indicando assim a existência de uma
teoria de encadeamento de acordes. (Rousseau, Dictionnaire de musique, Parigi 1767).
Do século XVIII até os nossos dias, junto ao termo harmonia, há o aspecto da didática.
Testemunho disso é o nome dos tratados alemães, por exemplo: Harmonielehre = Teoria da Harmonia.

2. A Primeira teorização da harmonia

A primeira tentativa de teorização da harmonia se refere ao, assim chamado, baixo numerado (ou cifrado, que era a notação do baixo contínuo feita colocando números e alterações que indicavam a formação do acorde a ser realizado). Aqui, o ponto de partida é a nota mais grave, e a numeração serve para indicar os intervalos que, sobrepostos ao baixo, formam o acorde.

Essa “teoria” indica, na verdade, somente o aspecto quantitativo, a estrutura intervalar do acorde em relação ao som do baixo. A “teoria” não explica o significado de cada nota em relação a um acorde, e não explica nada sobre o acorde considerado como tal. Na verdade, não se trata de uma verdadeira “teoria da harmonia”, já que não considera a sucessão e o encadeamento entre os acordes.
O conceito de baixo contínuo indica três aspectos: a) uma técnica compositiva; b) uma praxe executiva; c) uma teoria.
Nesse último caso, “estudar o baixo contínuo” significa, para um estudante da época de Bach, estudar a harmonia e, portanto, aprender as estruturas compositivas para a própri
a atividade criativa.


3. A revolução

O fundador da moderna ciência da harmonia é o francês Jean-Philippe Rameau. No seu Traité de l’harmonie réduite à sés príncipes naturels, de 1722, ele introduz a idéia de uma Tonart, definida pela sucessão dos acordes de “dominante”, de “subdominante” e de “tônica”. Podemos traduzir o conceito de Tonart como Tonalidade, composta pela somatória dos acordes que participam de sua constituição. Só que para Rameau, Subdominante e Dominante não estão vinculados ao IV e V graus dos acordes da escala, mas sim a uma tipologia de acorde. A idéia de Rameau é que os acordes de sétima (por exemplo ré-fá-lá-dó) constituem acordes de “dominante”; acordes compostos por uma tríade mais uma sexta adjunta (sixte ajoutée) constituem os acordes de “sousdominante”.
"Somente a tônica leva a um acorde perfeito, ou natural; a esse se acrescentaa sétima para obter as dominantes, e a sexta maior para obter as subdominantes." (nota 5)

Dahlhaus explica que:

"Dominante e subdominante são, para Rameau, formas acordais, não grausou funções. E a tese que uma Tonart seja composta através de tonica, dominante e subdominante significa, no sistema de Rameau, que os acordes, para se constituírem em uma progressão, devem formar um encadeamento de dissonâncias que termina em uma consonância, o “accord parfait” da “note tonique.(nota 6)

A grande revolução desse período foi a idéia que um acorde constitui, por si mesmo, uma “entidade dada”, e não simplesmente uma combinação de intervalos resultante do encontro das linhas melódicas. O acorde como “entidade”, então, tem uma sua função dentro de um determinado contexto.
Para Rameau, tanto a sixte ajoutée quanto a sétima (que adicionada a uma tríade, compõe uma tétrade) são dissonâncias. O seu sistema teórico é caracterizado pela motivação de progressões de acordes através das dissonâncias.

A teoria de Rameau oferece muitas outras considerações interessantes, como, por exemplo, o fato dele contribuir grandemente para que se fixasse a idéia que um acorde e suas inversões contêm a mesma fundamental. Antigamente, o acorde de terça e sexta era considerado um acorde composto por três notas independente da primeira inversão. Bach começou a utilizar o acorde de terça e sexta como inversão do acorde, com um baixo diferente da sua fundamental. Mas será necessário chegar à época clássica para que se tenha uma univocidade de interpretação e de utilização desse acorde –a de acorde invertido. Rameau coloca o conceito de “Basse Fondamentale”, ou seja “Baixo Fundamental”, com o qual indica o “baixo real” de um acorde invertido.
Da teoria de Rameau nascem duas linhas diferentes, que constituem as teorias que tratam de Função harmônica, ou função tonal, no sentido moderno: 1) a “Teoria dos Graus”; 2) a “Teoria Funcionalista” de Hugo Riemann.

4. A Teoria dos Graus


Ao alemão G. Weber se deve o tratado de composição referencial do período romântico, Versuch einer geordneten Theorie der Tonsetzkunst, de 1817. Ele foi o primeiro que l
igou o Baixo Fundamental com a sobreposição de terças das tríades e tétrades sobre cada grau das escalas maiores e menores. Os graus foram indicados com os algarismos romanos, em maiúsculo para as tríades maiores e em minúsculo para as tríades menores. Uma indicação particular indicava a tríade diminuta.



A distinção entre maiúsculo e minúsculo foi sucessivamente esquecida, passando a se indicar tudo com maiúsculo. A Teoria dos Graus põe a atenção nos graus da escala e apresenta duas vantagens, em comparação à Teoria do Baixo Contínuo:
1) A descrição harmônica é independente do movimento do baixo. Esse é reconduzido aos sons fundamentais.
2) A descrição harmônica é sempre válida sem que se precise notar um determinado som no baixo. As cifras dos graus são confrontáveis com os números algébricos.
Foi uma idéia de E.F. Richter a de combinar a numeração romana da Teoria dos Graus com os algarismos arábicos do Baixo Contínuo, em seu Lehrbuch der Harmonie, de 1853.
Dentro da linha da Teoria dos Graus, em 1853-54, Simon Sechter escreve o Die Grundsätze Der Musikalischen Komposition. A grande contribuição de Sechter foi a de ter traçado um “modelo ideal” de progressão harmônica, cujas fundamentais estão ligadas por quintas descendentes:


"O quanto mais próximo à Tônica conclusiva acontece um salto na progressão, mais ele será decisivo. [...] O salto V-I é maximamente decisivo; o II-V um pouco menos; o VI-II menos ainda, assim como ainda menos o III-VI [...]" (nota 7)

etc.. até chegar ao salto IV-VII, que é o mais fraco de todos. O peso, a “importância” de um salto fundamental e dos graus que ele liga, dependeria da sua vizinhança com tônica, medida por quintas. A crítica principal que foi movida à Teoria dos Graus organizada por Sechter, foi a de que o movimento IV-I sempre foi, historicamente, muito presente na literatura, constituindo um salto (ou cadência) forte; ele parece ser um salto muito mais forte do movimento IV-VII ou VII-III.
Outro problema apresentado pela Teoria dos Graus é que ela não faz distinção entre a “importância” das tríades maiores, menores, diminutas. Será necessário esperar a Teoria Funcional para que se coloquem como tríades principais somente a maior e a menor.
A Teoria dos Graus atribui a maior importância à escala, em cima da qual está fundamentada a tonalidade. A progressão de quintas [I-IV-VII-III-VI-II-V-I] que passa por todos os graus da escala, constitui o paradigma para a completa realização da tonalidade.
A simbologia de Richter, que junta algarismos romanos e arábicos, foi a adotada por Schöenber e Schenker, que nunca acolheram a terminologia Funcionalista proposta por Hugo Riemann.

5. A Teoria Funcional

A Teoria Funcional surge com Riemann em 1887; sua primeira finalidade é a de construir um sistema capaz de entender e codificar a linguagem harmônica sempre mais complexa que, a partir da época clássica, veio se desenvolvendo.
Primeiro e mais importante axioma dessa teoria é o da existência de três únicas categorias de acordes (T-S-D). Todos os acordes de uma composição podem ser reconduzidos a uma das três funções. Pelas notas dos três acordes é possível deduzir a escala [Do-Mi-Sol, Fa-La-Do, Sol-Si-Re = Do-Re-Mi-Fa-Sol-La-Si]. Os acordes e suasrelações são dados; as escalas resultam derivadas por eles.
A teoria funcional tenta reconduzir a análise harmônica a uma só tonalidade, localizando o grau de um acorde dentro dela e estabelecendo, assim, a estrutura desse acorde.
Inovadora é, também, na visão de Riemann, a equivalência e especularidade dos modos maior e menor. Esse último é explicado, por Riemann, recorrendo à idéia da existência dos harmônicos inferiores. A teoria funcional se propõe a explicar todos os acordes através de afinidades de quintas e de terças. Assim, a antiga Tonart, passa a ser substituída pelo conceito de Tonalität, que se estende a todos os acordes diretamente reconduziveis às três harmonias principais (para ter uma idéia de como a teoria funcional consegue dar símbolos a todos os acordes, veja a tradução do artigo de Ernst Kunst, mais a frente).

6. Conseqüências da evolução da linguagem a partir da metade do século XIX

A Teoria dos Graus, assim como a Teoria Funcional de Riemann,, se acham em dificuldade diante da linguagem musical da metade do século XIX. Nessa época o aumentar das implicações cromáticas e o progressivo enfraquecimento do sentido tonal implicam na busca de novas teorizações.
Se Schoenberg e, sucessivamente, Schenker não seguem a simbologia riemanniana, essa acha novos seguidores até os nossos dias. Por exemplo, o Harmonielehre (Manual de Harmonia) de Diehter De La Motte de 1976. Todavia, é importante ressaltar que a utilização da simbologia riemanniana é usada por De la Motte no seu manual somente a partir da época de Bach e até a Ópera, não recusando ele o uso de outros instrumentos nas circunstâncias em que se fazem necessários.
A partir dos anos 80 se assiste a uma retomada da corrente riemanniana, agora denominada neo-riemanniana, representada por autores como David Lewin, Brien Hyer, D. Kropp, M. Mooney, Richard Cohn.

B. FUNÇÃO TONAL

Vejamos, pelas palavras de Norton Dudeque, o que é Função Tonal
(nota 8):

"O termo "função tonal", normalmente associado com o sentido de "função harmônica", está longe de ser definido de forma clara e definitiva. Seu uso tem sido vago a medida que foi ganhando uma maior freqüência. Basicamente, função significa sentido harmônico ou ação
(nota 9), dois termos que têm apresentado um uso variado. Por exemplo, sentido harmônico ou função tonal, pode significar o uso de um grau da escala e suas variações, servindo como a fundamental de uma gama variada de acordes10, ou pode significar a tendência de um acorde em se dirigir a outro (nota 11); ou ainda pode ser associado às tendências de notas individuais de um acorde (nota 12).
O uso mais freqüente do termo função tem sido o de relacionar o sentido harmônico de um elemento capaz de expressar uma tonalidade a um centro tonal. A questão principal é resumida na identificação destes elementos que expressam uma determinada tonalidade.
Geralmente, são identificadas duas teorias distintas na sua concepção e que se ocupam da questão da função tonal. Algumas vezes estas são consideradas contraditórias mas na realidade são complementares
(nota 13). A primeira refere-se a teoria tradicional, herdada de teóricos do século XVIII e XIX (por exemplo de Gottfried Weber e Georg Joseph Vogler), que diz respeito a redução de acordes a sua posição fundamental, tendo as fundamentais dos acordes assinaladas com algarismos romanos relacionando-os desta maneira com a tônica. A segunda, a "teoria funcional" de Hugo Riemann, que tenta reduzir as funções de todos os acordes de uma determinada tonalidade a apenas três principais: T, S, D " (nota 14)

Norton Dudueque, pesquisador sobre a teoria schoenberguiana, tem escrito a respeito da Função Tonal em Schoenberg. Segundo ele,

"Função tonal para Schoenberg envolve mais do que simples relações entre acordes. Envolve sim uma rede de relacionamento bastante complexo entre notas, acordes e regiões. Notas individuais atuam como elemento melódico capaz de expressar uma tonalidade, adquirindo deste modo sua função tonal.
Os acordes por sua vez, expressam sua função através da sua fundamental. Ambos elementos, notas individuais e acordes, são incluídos na noção de região tonal que considera segmentos escalares para estabelecer a relação entre duas ou mais tonalidades." (nota 15)

NOTAS

1. Cf. “La nuova enciclopédia della musica”. Milano, Grazanti, 1988.

2. Cf. Wikipedia, enciclpoedia libera, http://it.wikipedia.org/wiki/Armonia_%28musica%29

3. Cf. DAHLHAUS, Carl. “Theorie der harmonischen Tonalität”, em Untersuchungen über die Entstehung der harmonischen Tonalität, Kassel, Barenreiter, 1968 (Studien zur Musikgeschichte dês 19. Jahrunderts, vol. IV). Artigo contido em La teoria Funzionale dell’Armonia, Bologna, Clueb. Tradução nossa.

4. Ibidem.

5. Cf. RAMEAU, J.Ph. “Génération harmonique, ou Traité de musique théorique et pratique”. Paris, 1737, p. 171 e seg.

6. Ibidem, pág. 182

7. Cf. SECHTER, Simon. “Die Grundsätze der musikalischen Komposition”. Leipzig, 1853, parte II, pág 22, apud “La teoria Funzionale dell’Armonia”, Bologna, Clueb.. Tradução nossa.

8. Cf. DUDUEQUE, Norton. “SCHOENBERG E A FUNÇÃO TONAL”. Revista Eletrônica de Musicologia,. Vol. 2.1/Outubro de 1997. Departamento de Artes da UFPR.

9. Cf. KOPP, David. "On the Function of Function". Music Theory Online. Volume 1, nº 3. Maio, 1995. Sem nº de página.

10. "Cada grau da escala tem sua parte no esquema da tonalidade, sua função tonal". PISTON, Walter e DeVOTO, Mark. “Harmony”. 5ª edição. p. 53.

11. "O IV tem três funções. Em alguns casos, o IV vai em direção ao I_mais freqüentemente, o IV é relacionado
ao II...(ou ele pode ir diretamente) ao V...". Stefan Kostka e Dorothy Payne, “Tonal Harmony”. 2ª edição. p. 103. Citado em KOPP, David. Op. Cit. Nota de rodapé nº 2.

12. Este conceito é utilizado por Daniel Harrison em “Harmonic Function in Chromatic Music: A Renewed Dualist Theory and Account of its Precedents”. p. 43-72.

13. Esta distinção é bem resumida por Robert Wason em “Viennese Harmonic Theory from Albrechtsberger to Schenker and Schoenberg”. p. 126 7.

14. Cf. DAHLHAUS, Carl. “Studies on the Origin of Harmonic Tonality”. p. 51-53.

15. Ibidem.